segunda-feira, 23 de maio de 2011

Entrevista

Amanda Gurgel: “É necessário transformar nossa angústia em ação”

Em entrevista ao Portal, a professora e militante do PSTU, Amanda Gurgel, que calou deputados no Rio Grande do Norte em discurso durante audiência pública, falou sobre a repercussão nacional de seu vídeo e o cenário caótico da educação no estado e no Brasil.

Portal - O vídeo em que você denuncia a situação precária da educação pública já superou 1 milhão de visualizações no YouTube e chegou à lista brasileira dos Trending Topics, no Twitter. Como você vê toda essa repercussão?

Amanda Gurgel - Em primeiro lugar, é importante falar sobre a minha surpresa diante de tamanha repercussão daquelas palavras que não são só minhas, mas de toda uma categoria, não só aqui no Rio Grande do Norte, mas em todo o Brasil, como se comprova nos diversos comentários postados sobre o vídeo. Também não imaginei que as pessoas que não vivem o nosso cotidiano não conhecessem à rotina de um professor e do funcionamento de uma escola pública. Então, diante de informações tão reais, acredito que a repercussão do vídeo se deve ao fato de minha fala ter sido dirigida à Secretária de Educação, Betânia Ramalho, à promotora da educação e aos deputados, figuras que ocupam postos elevados na sociedade, a quem as pessoas geralmente não costumam se reportar, tanto por não terem oportunidade quanto por se sentirem coagidas, ou por se sentirem inferiores. Enfim, talvez pela combinação desses dois fatores: tanto pela expressão de um sentimento contido, comum a todos nós, quanto pela atitude diante de deputados.

Portal - O vídeo foi gravado durante uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. Qual era a razão da audiência? Qual o objetivo daquele debate?

Amanda Gurgel -
Era uma audiência pública com o tema “O cenário da educação no RN”. O objetivo era debater as questões da educação no estado, apontando alternativas para os seus problemas. A princípio, não se pretendia discutir a greve dos professores e funcionários, mas diante da nossa presença essa intenção foi rechaçada.


Portal –
Como você avalia a situação da educação pública hoje no Rio Grande do Norte e no Brasil?


Amanda Gurgel -
Não existe uma palavra que melhor defina a educação aqui no estado e no Brasil do que caos. Um caos generalizado que começa na nossa formação e vai desde a estrutura precária das escolas, passando pelo caráter burocrático que ganharam as funções de coordenação pedagógica e direção, a superlotação das salas de aula, a demanda não suprida de professores chegando, finalmente, à remuneração do trabalhador que constitui a representação material do valor que é dado a nossa profissão. Mas, obviamente, todo esse caos não acontece por acaso. Há uma clara intenção da burguesia em manter a classe trabalhadora excluída dos processos que propiciem o desenvolvimento intelectual. Com isso, ela alcança dois objetivos: garante que os trabalhadores não atinjam altos níveis de cultura e pensamento crítico, conseguindo, no máximo, serem alfabetizados e aprenderem um ofício; dividir a classe trabalhadora, colocando-a em lados aparentemente opostos, como é o caso, muitas vezes, da relação entre professores e alunos ou as suas mães e os seus pais. É comum as pessoas acreditarem que greves prejudicam os alunos, quando é justamente o contrário: somente nas greves temos a oportunidade de abrir para a sociedade, os problemas que nós nos acostumamos a administrar no nosso cotidiano e que nos impedem de realizar o nosso trabalho. Somente nas greves podemos obter conquistas para a educação, pois, ainda que muitos já tenham sido envolvidos pelo discurso de que há outros mecanismos de luta que não a mobilização das massas, não é possível encontrar um caso em que nossos direitos tenham sido conquistados de outra forma. Os discursos de aparente conciliação servem apenas para mascarar ainda mais o fato de que a educação nunca foi prioridade para nenhum governo. Se não fosse assim, Dilma não teria cortado R$ 3 bilhões da educação nos primeiros dias do seu governo. Então, é necessário, em cada lugar do Brasil, transformar nossa angústia em ação. Não podemos baixar as cabeças atendendo às expectativas da burguesia. Precisamos mostrar a nossa consciência de classe e a nossa capacidade de organização.


Portal –
A greve da educação no Rio Grande do Norte já atingiu mais de 90% das escolas, chegando até a 100% em regiões do interior. Na sua opinião, quais são as perspectivas da paralisação?


Amanda Gurgel -
Já contamos pouco mais de vinte dias de greve e a governadora Rosalba Ciarlini ainda não acenou com nenhuma proposta, tampouco uma que contemplasse as nossas reivindicações. Diante disso, a categoria tem reagido da melhor forma possível: lutando. A cada assembleia, recebemos informes de adesão das cidades do interior. Certamente, Rosalba e Betânia (secretária de educação) preparam alguma retaliação, mas estão enganadas se pensam que estamos para brincadeira. Não retornaremos às escolas sem o cumprimento do Plano de Cargos, Carreiras e Salários dos funcionários, a revisão do Plano dos professores, a aplicação da tabela salarial dos servidores e o pagamento de direitos atrasados. A arrecadação do Estado aumentou consideravelmente. Segundo o Dieese, só no primeiro trimestre desse ano, foram R$ 776 milhões de ICMS, o que representa R$ 110 milhões a mais do que no mesmo período do ano anterior. Além disso, de janeiro a abril, o Estado recebeu R$ 214 milhões de FUNDEB, cerca de 54 milhões a mais do que no ano anterior. Portanto, o momento não é para choradeira. O momento é para apresentação de propostas e negociação.


Portal –
Você é militante do PSTU. Como aconteceu essa aproximação com o partido?


Amanda Gurgel -
Fui ativista do movimento estudantil e dirigente do Centro Acadêmico de Letras e do DCE da UFRN. Nessa época, tinha uma relação próxima com o PT, mas ao ingressar na categoria dos trabalhadores em educação, toda a imagem de movimento sindical que eu construíra ao longo da minha vida foi sumariamente desconstruída quando constatei a forma como a direção do PT/PCdoB dirigia a nossa entidade e utilizava a categoria como moeda de troca para benefícios próprios. Na segunda assembléia de que participei, já era oposição convicta. Mas, como havia outras oposições, aos poucos fui me localizando. Participei do congresso de fundação da Conlutas, passei a construir a oposição e algum tempo depois fiz uma reflexão e já não conseguia entender como eu podia ver que militantes tão obstinados dedicassem suas vidas à verdadeira defesa da classe trabalhadora, à defesa da classe a que pertenço, enquanto eu apenas trabalhava, trabalhava e cuidava da minha vida. Entendi que era minha obrigação dividir com eles, meus e minhas camaradas, essa tarefa. Por isso, eu entrei no PSTU.

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