quarta-feira, 9 de março de 2011

Inflação

Alimentos aumentam mais que salário mínimo

A cesta básica aumentou mais de 16%, enquanto que o salário mínimo terá aumento de apenas 6,8%. Segundo a ONU, escalada internacional de preços deve continuar e já prevê crise de alimentos nos países mais pobres.

Daniel Romero, do Instituto LatinoAmericano de Estudos SócioEconômicos (Ilaese)

O Brasil é o país que possui o segundo maior rebanho bovino do mundo e é por este motivo que a carne no país é tão barata, certo? Errado. Em 2010, a carne aumentou cerca de 35% e o quilo da carne de primeira ultrapassou os R$ 20. Para uma grande quantidade de trabalhadores, a carne de primeira virou item de luxo, apesar do rebanho bovino no Brasil ter cerca de cinco milhões de cabeças a mais do que a população brasileira.

Além da carne, outros produtos também tiveram grandes aumentos, como feijão (66%), açúcar (19,5%), leite (12,5%) e pão (11%). Em algumas capitais, os aumentos foram absurdos, como é o caso de Belém, Recife e Goiânia, onde o feijão aumentou mais de 90%! Com os aumentos, a cesta básica atingiu em janeiro R$ 261 em São Paulo.

E as dificuldades não param por aí. O IGP-M, índice usado para reajustar a energia elétrica e os contratos de aluguel, ficou em 11,5%. Isso significa que um trabalhador que paga de aluguel R$ 720, se não negociar com o proprietário, irá pagar agora mais de R$ 800, além do aumento da conta de luz. No início de janeiro, a tarifa do ônibus foi reajustada em dezenas de cidades brasileiras, o que provocou uma série de mobilizações do movimento estudantil.

O resumo desta história é que a inflação atingiu todos os bens e serviços nos últimos meses, levando o ICV (Índice do Custo de Vida) calculado pelo DIEESE para 6,9%. Ou seja, com o salário mínino de R$ 545 do governo, os trabalhadores que recebem o mínimo e as categorias que conquistaram em 2010 um aumento inferior a 7% terão perda salarial.

Uma nova crise de alimentos se aproxima?
Segundo dados da FAO, órgão da ONU para alimentação e agricultura, os preços internacionais dos alimentos tiveram sete meses de aumentos seguidos, atingindo recorde de alta em janeiro. Como a FAO avalia que a tendência é de aumento nos próximos anos, já envia sinais preocupantes. O medo é de uma nova crise de alimentos, semelhante a que ocorreu em 2007 e 2008 e que criou protestos em vários países, como no Haiti e no Egito.

As razões para esta nova alta formam um círculo vicioso. De um lado, tem-se a elevação da procura de produtos agrícolas devido ao aumento do consumo em países como China e Índia e o uso de terras agricultáveis para produção de combustível nos EUA.

Do ouro lado, com o aumento da procura, tais produtos se tornam mais atrativos no mercado financeiro, estimulando a formação de uma nova bolha especulativa. Os pacotes econômicos feitos pelos governos para salvar os bancos após o estouro da crise colocou no mercado cerca de 13 trilhões de dólares. Esses recursos, ao invés de serem usados para combater o desemprego, simplesmente voltaram para as atividades de especulação, inicialmente com o dólar, depois com moedas de países periféricos (como foi o caso do Real, no Brasil) e agora com os alimentos. As cotações dos produtos agrícolas na bolsa de valores de Nova York dispararam nos últimos 12 meses: o algodão aumentou 145%, milho, trigo e café 80%, soja 50% e açúcar 20%.

A primeira é a expectativa de que os preços se mantenham elevados por mais tempo. A segunda está nos jornais todos os dias: as revoluções na Tunísia e Egito e os outros levantes no mundo árabe têm como ingrediente fundamental a alta dos preços dos alimentos.

Conter inflação por meio de arrocho salarial
Para os trabalhadores brasileiros, viver em um grande país produtor de alimentos não é garantia nenhuma contra a alta de seus preços, como já pudemos verificar nos últimos meses. Justamente neste período de elevação dos preços internacionais é que o governo Dilma tem estimulado as exportações, para reduzir o déficit em conta corrente do país, que fechou o ano passado em mais de R$ 80 bilhões.

Mas o aumento das exportações pressiona a inflação no Brasil. Uma prova disso é a inflação oficial registrada em janeiro, de 0,83%, a maior desde 2005. Isso significa que as campanhas salariais de 2011 devem levar em conta a tendência de alta da inflação, principalmente dos alimentos. Consciente do confronto que se aproxima, o governo tem apostado em uma velha fórmula: conter aumentos salariais e elevar a taxa de juros.

Esta política reforça a tradicional aliança nos países latino-americanos entre o capital financeiro (especuladores) e o agronegócio (grandes donos de terra) contra os trabalhadores. Especialistas da área agrícola estimam que os grandes latifundiários brasileiros possam ter um dos maiores ganhos da história; só os produtores de soja estimam lucros superiores a 70% em 2011 (Carta Capital, no. 631).

Da parte do capital financeiro, o plano é que os trabalhadores no mundo todo paguem pela terceira vez pela crise. A primeira se deu com o endividamento público, a segunda com os cortes nas áreas sociais, aposentadoria, reforma trabalhista etc. A terceira, atualmente, com a alta da inflação. Felizmente, nem tudo é tão fácil. Para esse plano dar certo em nível internacional, só faltou combinar com os revolucionários árabes.

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